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quinta-feira, 5 de agosto de 2010

COMO REDUZIR SAL














Mesmo nos restaurantes, onde o sabor da comida sempre teve precedência sobre as recomendações médicas, a preocupação com o sal já se faz notar. Com modificações às vezes sutis. A primeira delas é a presença da fleur de sel, ou flor de sal. Bem diferente do sal comum, a flor é a camada mais fina e cremosa que se forma na superfície da maré salgada, durante a evaporação natural, ao sol. “Ela é usada na finalização do prato, para manter as propriedades de sabor e contribuir com uma certa crocância”, diz o chef Stefano Bignotti, do restaurante Faggi, em São Paulo. “Isso ajuda a reduzir o consumo de sal, pois evita que o cliente sinta necessidade de complementar o tempero usando o saleiro.” Além de usar a flor de sal, Bignotti enfatiza o sabor de alguns de seus pratos com ingredientes que já são previamente salgados, caso do presunto cru e das castanhas. “Temos clientes que chegam indicados por médicos e se preocupam com o controle do sódio na dieta”, diz ele.


A evolução gravou em nosso cérebro circuitos que nos condicionam a gostar de sal e procurar por ele

A preocupação em salgar menos está se tornando tão presente quanto os cuidados em relação à gordura e ao açúcar. No restaurante Ají, de inspiração latino-americana, o chef boliviano Checho Gonzales tempera seus frutos do mar com um substituto do sal de origem tailandesa, o nam plah. “Minha comida usa o mínimo de sal. Alguns clientes sentem falta”, diz Gonzales. Numa de suas receitas, um tentáculo de polvo é cozido só em água fervente. Assim, libera o sal que absorveu do mar. Até nas churrascarias, onde o sal costumava reinar soberano, tem havido reduções. “Salgar a carne em excesso é um erro”, afirma Marcos Bassi, dono do tradicional Templo da Carne, em São Paulo. Para Bassi, o sal grosso usado na carne deve ser retirado antes que ela seja assada – e jamais servido como parte do prato. “Ficará apenas uma fina película, que será absorvida pelas papilas gustativas, na língua, e não chegará ao estômago”, afirma.
As reações negativas ao consumo crescente de sal também têm gerado opiniões mais radicais. Com base nas repercussões negativas na saúde pública, muitos médicos têm falado em “epidemia salgada” e promovido um movimento similar àquele que antecedeu as restrições impostas ao tabaco e ao álcool. Desde 2002, a OMS faz campanhas anuais para chamar a atenção sobre o excesso de sal. Em 2004, lançou um relatório que incentivava os governos a pressionar a indústria a reduzir a quantidade de sódio usada nos alimentos. O movimento que defende as restrições ao sal já chegou ao Brasil.
Na segunda quinzena de junho, reuniram-se em Brasília representantes do meio acadêmico, da indústria de alimentos, técnicos do Ministério da Saúde, da Agricultura e da Anvisa, a agência federal que regulamenta a venda de comida industrializada e remédios. A ideia era esboçar um plano de redução do consumo de sal no Brasil. Como meta, discutiu-se passar, em dez anos, de 12 gramas per capita de sal por dia para os 5 gramas recomendados pela OMS. “Essa mudança ajudaria a baixar em 10% a pressão arterial dos brasileiros. Seria 1,5 milhão de pessoas livres de medicação para hipertensão”, diz a nefrologista Frida Plavnik, representante da Sociedade Brasileira de Hipertensão na reunião. Segundo ela, haveria uma queda de 15% nas mortes causadas por derrames e de 10% naquelas ocasionadas por infarto. Na reunião, falou-se em reforçar a campanha sobre os perigos do consumo excessivo de sódio, divulgar formas de reduzir a ingestão de sal e acelerar a aprovação, na Câmara dos Deputados, do projeto de lei que propõe uma advertência no rótulo dos alimentos com mais de 400 miligramas de sódio por 100 gramas de produto.
O modelo dessas políticas é o Reino Unido, país que lançou, em 2003, uma campanha encorajando as empresas a se engajar na redução voluntária dos níveis de sódio. O governo propôs metas para cada tipo de alimento. As sopas prontas deveriam ter uma redução de 55% nos níveis de sódio. Nos queijos, o corte seria de 29%. A campanha começa a dar resultados. A ingestão per capita de sal, que estava na casa dos 10 gramas por dia no início dos anos 2000, caiu para 8,6 gramas – embora ainda acima dos 5 gramas recomendados pela OMS. O programa de redução mais recente é o americano, que começou em janeiro deste ano. O National Salt Reduction Initiative foi lançado em Nova York e já conta com a adesão de outros 15 Estados americanos. Seu objetivo é reduzir, em cinco anos, 20% da ingestão de sódio. Além de agir sobre as fábricas de alimento, a iniciativa atraiu algumas redes de fast-food. “Em cadeias padronizadas de restaurantes, é mais fácil mexer. Tudo vem pronto e basta trocar os fornecedores”, afirma Lynn Silver, secretária de Saúde da prefeitura de Nova York. Ela acredita que as empresas deveriam aproveitar a oportunidade de fazer a redução de sal de modo voluntário.
Muitos médicos e associações defendem uma posição mais radical: a redução deveria ser obrigatória.“O sal tem sido considerado como substância natural devido a sua significância histórica, mas ele é, na verdade, uma toxina crônica de efeito lento”, diz o cardiologista britânico Graham MacGregor, professor da Universidade de Londres e um dos coordenadores do movimento britânico para reduzir o uso do sal, conhecido pela sigla Cash. MacGregor afirma que a FDA, a agência americana que regula o uso de drogas e alimentos, estuda a reclassificação do sal, a pedido de associações médicas do país. O sal é considerado pela FDA como uma substância “geralmente reconhecida como segura”. Se isso mudar, haverá implicações na vida das empresas e dos consumidores. As indústrias teriam de ser autorizadas a usar esta ou aquela quantidade de sal. O comércio não poderia vendê-lo sem restrições. Os restaurantes teriam de prestar contas de suas receitas e, no limite, o cidadão que gosta de alimentos salgados teria possibilidades reduzidas de escolha – em nome da saúde. Será que esse tipo de medida drástica surtiria o efeito desejado?
No Brasil, é muito provável que não. Pesquisadores da USP analisaram hábitos alimentares do brasileiro e concluíram que 76% do sódio que ingerimos vem do sal que nós mesmos colocamos na comida. Apenas 15,8% vem de alimentos industrializados. Nos Estados Unidos, a maior parte do sal vem de produtos industrializados. Em nossa realidade, as campanhas educativas sobre a influência do sal na hipertensão seriam evidentemente mais importantes que o controle sobre a produção e a venda de alimentos industriais.

Mas não é esse o caminho que as autoridades do governo adotaram. No mês passado, a Anvisa criou normas para restringir a propaganda dos produtos com grande quantidade de sal, açúcar e gordura saturada. A indústria tem seis meses para apresentar alertas nas peças publicitárias sobre os riscos de consumo excessivo, como acontece nas propagandas de álcool e cigarro. Diante do cerco das autoridades sanitárias, as empresas temem que as políticas públicas evoluam na direção da redução obrigatória do sódio. “Qualquer estabelecimento compulsório de limites para reduzir o sódio seria inócuo”, diz a Abia, organização que reúne os fabricantes de alimentos. “Com a redução abrupta, o processo de adaptação do consumidor não seria respeitado e, provavelmente, o produto receberia, no momento do consumo, um incremento de sal. Daí se vê a importância do papel da educação.”
Movidas por pressões do próprio consumidor, a indústria já começou a fazer reduções espontâneas no teor de sal de seus produtos. A Arcor, líder em biscoitos salgados e fabricante da tradicional bolacha Triunfo, com 291 miligramas de sódio a cada seis unidades, lançou em maio a Triunfo Menos Sal, com 32 miligramas de sódio na mesma quantidade de bolachas. Ganhou um selo da Sociedade Brasileira de Cardiologia. A Unilever – dona de marcas conhecidas como Knorr, Arisco e Hellmann’s – lançou recentemente um caldo com 25% menos de sódio. Num tablete de caldo de carne comum, usado para temperar uma panela média de arroz, há mais de 2.300 miligramas de sódio (ou, 5,7 gramas de sal), quantidade que ultrapassa o limite saudável diário para uma pessoa.
A indústria não se apega ao sal por teimosia. De acordo com Marise Pollônio, professora da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Universidade de Campinas (Unicamp), retirar o sal dos alimentos é difícil porque só ele exerce várias funções essenciais. Em conservas, o sal dá sabor, preserva e dá textura ao produto final. Na panificação, ajuda na fermentação e também dá sabor. Em alimentos como molho de tomate, que é úmido e ácido, propício à proliferação de bactérias, o sódio é importante para a conservação. Aditivos químicos – com nomes como fosfatos, nitritos, benzoatos, sorbatos e lactatos de sódio – são usados largamente na indústria para conter processos biológicos indesejados. E ainda não foram descobertos substitutos à altura. Em carnes e derivados, o sal ajuda a conservar e ainda dá textura, suculência e consistência. “A consistência da mortadela, da salsicha e do presunto não seria a mesma sem o sal”, diz Marise.
Encontrar um substituto ideal para o cloreto de sódio – nome científico do sal – é um desafio da indústria de alimentos. Hoje, o mais usado é o cloreto de potássio. Mas ele não funciona em qualquer quantidade. Deixa um sabor estranho, algo metálico. “Seria necessário promover um desmame gradual do sabor salgado, sem frustrar terrivelmente o consumidor”, afirma Marise. A fabricante de aromatizantes IFF diz estar preparada para desenvolver sabores especiais para as indústrias interessadas em usar menos sal. Segundo Guy Hartman, diretor global da companhia, suas fórmulas podem contribuir com uma redução entre 25% e 50% no sal dos alimentos, conforme o produto.
Outra alternativa é selecionar cristais com formatos mais favoráveis à dissolução na boca. Segundo a Elma Chips americana, envolvida numa pesquisa desse tipo, cristais cúbicos de sal, os mais comuns, não são integralmente dissolvidos. Por isso, seu sabor não rende muito. Os cristais mais achatados, com maior superfície de contato com a língua, tendem a se dissolver mais rápido e podem ser usados em quantidade até cinco vezes menor. Essa ainda não é a resposta aos apelos médicos pela redução drástica do consumo de sal. Mas é um avanço (real) na direção correta: buscar alternativas, em vez de, simplesmente, impor limites (irreais) que reduzam o sal e o prazer de comer. Ninguém está disposto a viver sem prazer e sem sabor. Sem sal nenhum, a vida fica muito chata. Com menos sal, pode ficar até melhor.


Com mais sabor, textura e saúde


O mais delicado e crocante dos sais marinhos é colhido à mão

É de Guérande, na França, que sai a flor de sal mais famosa. No Brasil, desde 2006, Mossoró, no rio grande do norte, extrai à mão a flor que se forma na superfície de suas salinas. ela tem feito sucesso com os chefs brasileiros. bem menos amarga que o sal, é usada como verdadeira especiaria – em pequenas quantidades que encantam o paladar e são mais seguras para a saúde








 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
fonte: Revista Epoca n. 636