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quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Sal - Parte II

Pode fazer sentido, mas não é fácil. O sal está por toda parte, em alimentos que nem suspeitamos (leia o quadro abaixo). E foi incorporado à nossa dieta faz tempo. Imagina-se que tenha começado a ser usado há 15 mil anos. Os registros da presença do sal datam de milênios. Um texto chinês de 4.700 anos atrás ensina a encontrar e preparar o sal – a mesma informação que os egípcios registrariam em papiros 500 anos depois. O sal era tão difícil de produzir e tão apreciado que os gregos o usavam como moeda no tráfico de escravos. Às vezes diziam sobre um escravo: “Ele não vale seu sal”. A expressão sobreviveu, assim como a palavra salário, derivada da ração que os soldados romanos recebiam como parte de seu soldo. Era o salarium argentium. Pode-se dizer, grosseiramente, que civilização e consumo de sal têm caminhado juntos. Os ianomâmis, que em termos técnicos nunca saíram da Idade da Pedra, consomem menos de 50 miligramas de sal por dia – talvez o menor uso per capita de uma cultura humana.

O historiador britânico Felipe Fernandez-Arnesto, da Universidade de Notre Dame, nos Estados Unidos, diz que, desde que os primeiros humanos deixaram de ser nômades, houve um crescimento explosivo no uso do sal. A ingestão diária aumentou cinco ou seis vezes desde o período paleolítico – com enorme aceleração nas últimas décadas. A American Heart Association, que reúne os cardiologistas americanos, estima que mudanças no estilo de vida provocaram aumento de 50% no consumo de sal desde os anos 1970. Em boa medida, graças ao consumo de comida industrializada.

MAIS SABOR

Lourival Falcão, de 70 anos, à mesa de sua casa, em São Paulo. Há cinco anos ele cortou radicalmente o uso de sal. “Agora eu sinto o gosto dos alimentos”, diz ele
A culpa pelo abuso de sal não deve, porém, ser atribuída somente à indústria. A maior responsabilidade cabe ao nosso paladar. Os especialistas acreditam que a natureza gravou em nosso cérebro circuitos que condicionam a gostar de sal e procurar por ele – em razão do sódio essencial que contém. A indústria, assim como a arte gastronômica, responde ao desejo humano. “É provável que o sal seja tão apreciado porque tem a capacidade de ativar o sistema de recompensa do nosso cérebro”, diz o neurofisiologista brasileiro Ivan de Araújo, afiliado à Universidade Yale, nos Estados Unidos. Isso significa que sal nos deixa felizes. Outras hipóteses científicas caminham na mesma direção. Pesquisadores da Universidade de Iowa, nos Estados Unidos, lançaram a ideia de que o sal funciona como antidepressivo. Ao privar ratos de sal por vários dias, eles perceberam que os animais deixaram de fazer atividades que apreciavam, como acionar uma alavanca para ter acesso à água com açúcar.
E quem não pode usar sal, como faz? O paulistano Lourival Falcão, de 70 anos, aposentado como assessor jurídico, é um desses. Ele ficou preocupado quando leu que, após os 40 anos, o sal é inimigo dos rins. Estava com 65 e tinha um grau leve de hipertensão, já medicada. Resolveu radicalizar. Cortou completamente o sal da comida. Pediu à cozinheira que passasse a cozinhar tudo sem tempero e combinou com a mulher que acrescentariam o sal no prato. “No começo foi um pouco difícil. Mas depois passei a sentir melhor o gosto de cada alimento”, diz ele. “Gosto muito mais da comida hoje.” Há mais gente como Falcão por aí.
A avó materna da secretária paulistana Kelli Augusto Correia, de 21 anos, morreu no mês passado por causa de pressão alta. O pai dela, que teve infarto, faz tratamento contra a mesma doença há sete anos. O medo de sofrer do mesmo mal levou Kelli a procurar uma nutricionista e a montar uma dieta com pouco sódio para se prevenir. Muitas coisas que ela adorava quando menina – e que a turma da idade dela ainda adora – ficaram para trás. Fast-food e refrigerante? Não mais. Há seis meses, ela deixou de salgar a comida e ficou mais seletiva quanto aos restaurantes. Seu arroz tem de ser cozido sem sal. O orégano é seu tempero mais frequente. Se combina um cinema, come antes em casa e dispensa a pipoca. Até frutas com sódio Kelli diz evitar. “Sigo as recomendações da nutricionista. É uma alimentação muito gostosa”, afirma.