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domingo, 1 de maio de 2011

Construindo novas relações entre agricultores e consumidores:


Cultivando Consumidores

A ACOPA foi fundada em 2000 com o objetivo de aproximar consumidores e produtores orgânicos (2), promover o comércio justo e solidário, divulgar hábitos saudáveis de alimentação e consumo responsável. É uma organização independente, sem fins lucrativos mantida exclusivamente pela contribuição paga pelos seus associados. O trabalho de organização dos consumidores é voluntário e realizado nos locais de vendas de produtos orgânicos, com destaque para as feiras livres. Atualmente, cerca de 500 pessoas participam do grupo que busca cultivar consumidores na busca de formas mais saudáveis de relacionamento entre o homem e a natureza.
Comparados com a população de uma forma geral, os consumidores de produtos orgânicos e/ou agroecológicos se aproximam muito de um consumidor consciente. Segundo pesquisa do Instituto AKATU (2004) um consumidor consciente: apresenta diferença no ato de ir as compras em relação à maioria da população; mostra disposição em transformar em prática os valores com que se identifica; tende a se preocupar com as gerações futuras e com o coletivo; usa o seu poder de consumidor cidadão.
Diversas pesquisas têm mostrado que o consumidor orgânico é normalmente um profissional liberal ou funcionário público, na maioria do sexo feminino, com idade variando entre 31 e 50 anos. Apresenta nível de instrução elevada tendo em sua maioria cursado o ensino superior. A maioria é usuário de internet com renda entre 9 e 12 salários mínimos. São pessoas que têm o hábito de praticar esportes com freqüência e, mesmo morando na cidade, procuram um estilo de vida que privilegie o contato com a natureza, o que faz com que freqüentem parques e bosques regularmente. Estes dados indicam que locais de feiras orgânicas ou agroecológicas têm maior sucesso em áreas naturais (parques, bosques, praças, etc.). Além disso, são pessoas preocupadas com saúde e qualidade de vida, que privilegiam terapia e medicina alternativas.
Grosso modo, podemos dizer que existem dois tipos de consumidores orgânicos (tabela 1). O primeiro tipo refere-se ao grupo dos consumidores mais antigos, que estão motivados, são bem informados e exigentes em termos de qualidade biológica do produto. Estes consumidores são os freqüentadores das feiras verdes de produtos orgânicos e tem um nível de consciência ambiental maior em relação à população.
TABELA 1.  TENDÊNCIAS DE CONSUMIDORES DE PRODUTOS ORGÂNICOS SEGUNDO  CARACTERÍSTICAS DE CONSUMO.
Características
Consumidor novo
Consumidor antigo
Ato de ir as compras de produtos orgânicos
Ocasional
Regular  (Fiel)
Tempo de consumo
< 5 anos
> 5anos
Preferência de compra
Supermercados
Feiras e lojas
Preço suplementar(disposição para pagar +)
10-20%
20-30%
Qualidade percebida
Saúde e segurança alimentar
Saúde, meio ambiente, qualidade vida
Freios para compra
Preço
Falta de informação
Procedência (origem do produto)
Valores
Comprometido
Consciente

Um segundo tipo, mais recente, ainda pouco estudado, é o consumidor das grandes redes de supermercados, que apesar de ser uma pessoa comprometida com a questão ambiental, compra mais por impulso e de forma menos regular quando comparado ao grupo anterior. Neste sentido, são necessárias estratégias de fidelização do consumidor antigo e retenção ou manutenção do novo consumidor.

Estratégias de fortalecimento da comunicação entre produtores e consumidores

O espaço na grande mídia ainda é insuficiente para sensibilizar o consumidor sobre os problemas relacionados aos agrotóxicos e aos benefícios da alimentação orgânica. Apesar de pesquisas mostrarem que esta é uma questão de alto risco para a saúde pública, a preocupação dos consumidores só será despertada e seus hábitos modificados, se houver um trabalho mais eficiente de comunicação.
Neste sentido, a ACOPA com poucos recursos para a divulgação optou por privilegiar campanhas de contato direto para fidelização dos consumidores, com pequenos investimentos e grandes resultados.
O trabalho da associação é articulado junto a uma rede de produtores, consumidores, comercializadores e poder público que envolve as feiras verdes, associações, empresas, restaurantes, lojas, pequenos varejos e outras iniciativas de comércio justo e solidário. Entre as estratégias de fortalecimento desta rede destacamos:
Visita dos consumidores às propriedades: esta atividade batizada de “passeio orgânico” tem se mostrado como uma das estratégias de maior impacto na conscientização e divulgação da produção. O passeio, realizado nos finais de semana, permite verificar as dificuldades dos agricultores in loco e esclarecer dúvidas dos consumidores em relação à forma de produção, beneficiamento, comercialização e certificação, contribuindo para uma mudança de atitude do consumidor e do produtor. 
Aproximação do consumidor com o alimento:  o consumidor tendo a oportunidade de colher o alimento no campo e levando à mesa, percebe o “processo” e não apenas o “produto”.
Valorização dos sabores e saberes: o escritor Rubem Alves (1995) sintetizou a importância da dimensão da culinária: “não há palavra que possa expressar um sabor ou um cheiro”.  É preciso provar, cheirar, para que o corpo escute a fala silenciosa do gosto e do cheiro. Um almoço com produtos orgânicos proporcionado pelos produtores nos passeios ou uma degustação nas feiras livres vai além da palavra. A troca de informações entre as pessoas envolvidas nesta rede sobre novos sabores, receitas, alimentos com funções de nutrir e curar, é uma forma de coesão que trabalha a comunicação sob diferentes sentidos (paladar, olfato, tato, visão).
Reconhecimento e crédito alternativo: a obtenção de um crédito alternativo para o agricultor, longe do “circuito bancário”, é uma forma de reconhecimento e aproximação. Alguns agricultores orgânicos já foram financiados pelos consumidores, que adiantam uma quantia em dinheiro ao agricultor, recebendo posteriormente em produtos com um desconto especial. O objetivo é criar relações de confiança, construídas historicamente através de relações de proximidade e de compromissos informais.
Valorização da produção local: a venda de produtos direto na propriedade, talvez seja a forma de comercialização “olho-no-olho” mais adequada para fortalecimento entre a comunicação “produtor x consumidor”. O resgate dos costumes e tradições locais na forma de produzir, complementado com preços compensadores, qualidade biológica do produto, frescor e sabor são algumas das vantagens do processo.
Integração das propriedades orgânicas em circuitos de turismo rural:  os processos agroecológicos em uma propriedade orgânica agregam valor ao ambiente natural (paisagem integrada, rios com águas limpas, ar puro). Outras atividades acabam se associando naturalmente ao processo, como a pousada, o restaurante típico, as vendas diretas, o artesanato e as atividades de lazer. Essa dinâmica permite uma integração maior entre o consumidor visitante e o produtor.
Diversão e arte: A dimensão artística, seja pela música, poesia, ioga, dança  ou qualquer outra forma de arte, permite integrar as pessoas no seu mundo e nos seus processos. É a partir daí, por diferentes estímulos, que estamos agregando benefícios físicos, espirituais e sociais as pessoas. Neste sentido, a ACOPA ampliou estas atividades artísticas, realizadas nos passeios, para os locais de venda direta, com destaque para as feiras orgânicas. O resultado tem sido extremamente compensador como uma forma alternativa de  comunicação.
Curso e locação de canteiro para práticas agroecológicas: Esta é uma nova iniciativa da ACOPA para melhorar o relacionamento com os agricultores. Num primeiro momento é realizado um curso prático para consumidores para montagem de uma horta orgânica numa propriedade selecionada. O associado inscrito para esta atividade realiza sua inscrição e recebe um canteiro de sua responsabilidade. O desempenho dos horticultores tem acompanhamento semanal, tanto em relação à assiduidade, quanto à manutenção do canteiro e à produção. O agricultor selecionado é responsável pelas orientações técnicas e acompanhamento.
Estar aonde o consumidor está: uma nova estratégia da ACOPA foi a instalação da “Barraca dos Consumidores” de forma permanente na principal feira orgânica de Curitiba. Ter regularidade, qualidade, e diversidade na oferta de informação ao consumidor sobre o processo de produção orgânica, certificação, alimentos saudáveis, consumo responsável, saúde e qualidade de vida, ajuda na sustentabilidade do processo. Este espaço tem permitido executar ações de conscientização como campanhas de esclarecimento sobre “produtos transgênicos”, “reciclagem de embalagens”, “troca de informações sobre saúde e terapias alternativas”, além de espaço para sugestão e críticas dos consumidores.
Ampliação das parcerias: Um número relativamente significativo de entidades com fins similares podem potencializar a sua ação de forma integrada. Desta forma, a ACOPA tem buscado parcerias éticas e saudáveis com o poder público e privado, ONGs visando o desenvolvimento mútuo e a maximização dos resultados para desenvolvimento da agroecologia.
Informação continuada: fazer parte de uma rede é uma troca constante. Por isso, a ACOPA  tem se preocupado em informar os associados por meio de informativos, mensagens eletrônicas e atualização do sítio na internet. O objetivo é informar e orientar continuamente o consumidor sobre a produção orgânica, além de denunciar os riscos para saúde do uso de agrotóxicos e de produtos transgênicos, dando dicas para uma alimentação mais saudável e um consumo responsável.
O trabalho da ACOPA serve de incentivo para que mais agricultores convertam suas propriedades para a produção agroecológica. Além disso, incentiva para que os alimentos orgânicos estejam nas escolas, nos hospitais, nos restaurantes, num maior número de feiras e disponíveis para maior parte da população a preços acessíveis.

Desafios

Em se tratando de trabalho voluntário um aprendizado que podemos relatar nestes últimos cinco anos é de que esta atividade precisa ser necessariamente prazerosa, lúdica, de qualidade, em direção a uma ação que não precisa ser necessariamente grande, mas precisa ser eficiente. Motivar as pessoas a participarem deste movimento é o nosso principal desafio, que temos conseguido com “trabalho, diversão e arte”.
Outro aspecto que precisa ser incluído nas políticas públicas é o apoio financeiro a grupos de consumidores organizados para desenvolvimento de estratégias de comunicação mais eficazes. Temos tido dificuldade em encontrar programas neste sentido, motivo pelo qual todas iniciativas supracitadas foram operacionalizadas com recursos próprios. Se por um lado, os recursos próprios favorecem o desenvolvimento endógeno e sustentado do grupo, por outro, o apoio externo acelera o processo de comunicação.
Sendo a feira um lugar de encontro, de troca, um espaço privilegiado de educação para o consumo e relações de confiança para construção de um projeto  sustentável, o desafio é a expansão destes espaços em todas as cidades. A escolha do local deve considerar os hábitos deste tipo de consumidor. Portanto, parques, praças e bosques são locais ideais para o sucesso de uma feira agroecológica.
Tornar o consumidor protagonista e elemento articulador de mudanças é basicamente um desafio de conscientização. É preciso mostrar que a capacidade de o consumidor mudar hábitos de consumo tem reflexos em todos os outros segmentos da economia. Segundo CAPRA (2003) um dos maiores obstáculos para uma vida sustentável é o aumento contínuo do consumo material. É verdade que a transição para um mundo sustentável não será fácil. Todavia, é fato que um número cada vez maior de pessoas e instituições já começaram o processo de transição.
Talvez o nosso grande desafio seja a formação de uma rede de seres humanos conscientes. O movimento agroecológico é um dos nós desta rede. Construir novas relações entre consumidores e produtores é retomar os valores dos amigos, do lazer, da arte, da alimentação sem pressa e de qualidade biológica, da valorização das famílias de consumidores e produtores orgânicos, do foco no "local" presente e concreto - em contraposição ao "global" - indefinido e anônimo. 

Referências

ALVES, R. Estórias de quem gosta de ensinar – O fim dos vestibulares.  Ars Poética – São Paulo, 1995, p. 133.
CAPRA, F. As Conexões Ocultas: Ciência para uma vida sustentável. Trad. Marcelo Brandão Cipolla. Editora Cultrix. São Paulo.  3. Ed. 2003. 296 p.
DAROLT, M.R.  Agricultura Orgânica: inventando o futuro. Londrina: IAPAR, 2002. 250 p.: il., fotos. ISBN 85-88184-09-5.
INSTITUTO AKATU. Descobrindo o Consumidor Consciente. Akatu Publicações: São Paulo, SP. www.akatu.org.br